Fico acomodado no leito, mas sem nenhuma pretensão de glória, sendo esta, a posição que me conservo, totalmente oposta. Sei que devo levantar-me quando o relógio despertar e repetir o ato, a cada dia. Talvez a conformidade, trilha única e obscura da alienação, que nos lança desde o amanhecer para a vida fútil, rotineira e embriagadora, tende a nos esclarecer sobre a matéria bruta que somos; ainda que de súbito e no final. E talvez o tempo cronometrado, dono do útero reprodutor de títeres escravos e do comando de tudo, queira programar o mundo para a competição, no limite do atrito; e seja o mesmo tempo cronometrado que nos fará reconhecer como canibais e sanguessugas.
É cercado de paredes ásperas, com quadros rudimentares, desprovidos de tinta e contorno, que eu penso no quanto a arte pode tornar-se desprezível. E olhando pela janela, encontro a verdadeira identidade do mundo, mediante os outros quadros malogrados. É talvez rasgando a pele e arrancando os cabelos que conseguiremos, tristes, pincel e tinta para criarmos obras originais; enquanto a atualidade impressiona com seu sorriso prosaico diante de tudo e pela eternidade jovial que necessita e arranja no ópio. Porém, ainda que seja forçoso aperceber-se no alto de um relevo, depois, pula-se de pára-quedas, com medo do estrago.
A bile negra, substância revolucionária do pensamento para chegar-se ao entendimento do atraso que por ela mesma fora provocado, estimula-nos a rejeitar o método lógico, conservador e objetivo numa face existencialista, onde imagino o escritor Kafka aprisionado; efetuando a lei natural das coisas. Agora a modernidade apresenta-se com princípios conscientes (o oposto para explicar o próprio oposto), que boicota o alívio das dores no uso de anestesias, limpando o orvalho das vitrines para ter visão ampla do interior. Porem, as flores de plástico, quando expostas ao sol, não atingem o deleite da fotossíntese. Só recebem a inútil imagem projetada e adquirida sob uma óptica cega; simples coerência luminosa para que essas não se sintam transparentes, apesar de serem a semelhança do nada na essência. Fatalmente, levanto bandeira contra todo sentimento material e venal!
Infelizmente, braços e pernas, cérebro e coração, perdem o valor quando se tem o corpo ornado às jóias de ouro e pedras preciosas. Oh caminhemos todos juntos, sentemo-nos lado a lado com o Czar maior na mesa de jantar para realizarmos os nossos sonhos. Logo, a criadagem nos servirá o alimento sagrado: salada de rubis, enrolado de perolas e molho de ouro derretido. Na azia, iremos todos para o trono merecido, com saudades do feijão com arroz. Todas essas euforias são análogas à mediocridade e estão interligadas ao sentido abstrato de superioridade, por ser corrupta e oportunista. Penso no destino a sujeitar-se o mundo sem pessoas com senso de sociedade fraternal!
A dificuldade de sobrevivência e a necessidade de protestar impelem-me a repetir a atitude histórica do ilustre filosofo grego Diógenes: sair às ruas, pela manhã, com uma lanterna acesa, à procura de um homem honesto – refiro-me à política. "E que não me tires o que não me podes dar"! Chega de correntes, cárceres, fogueiras... de toda a forma de repressão! Viva a liberdade das palavras, do escarro, dos gritos, da arte sem vínculos morais, sem regras de conduta. A moral é mera ilusão burguesamente ordenada. Chega de pintar o mesmo quadro, a mesma paisagem.
Eis o que lhes quero compartilhar: a mesmice é como uma ponte para o mesmo lado de onde se saiu; o ponto de origem que também é o fim; o feixe de luz que não será apagado da memória, tendo no sol que renasce a lembrança do anterior. No entanto, o momento que há de vir nunca será diferente enquanto viver-se o passado no presente. O momento é outro, mas sejamos justos com a nossa realidade: "essa é a juventude que quer mudar o mundo; deixa para matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem". Quando vamos tirar a face da lua e aprendermos a ser como os vaga-lumes? Quando?
A geração moderna faz das estátuas os troncos de árvores que foram outrora, assim como outros já disseram. E talvez, imaginando as praças públicas como passarelas suspensas para a exibição da roupa nova, de marca, da moda, numa disputa desesperada, sem limites e sem fim, libertam-se os hormônios agitados pela força das idades. Penso no quanto devem ter as mentes desnudas, e imagino que sejam por dentro como aqueles manequins de lojas da capital. Ninguém se preocupa com a nuvem que passa longe; de repente, ela se aproxima e nos ataca com chuvas ácidas e raios na cabeça. Por isso, tenho medo de fazer previsões acerca de nosso tempo.
Paremos de investir contra o futuro, inertes nessa falsa posição de glória, pois o remorso será nosso. Eu sei que experiência não é a virtude que temos para conscientizar o mundo; mas três pernas não sustentam uma mesa, cabe a nós outros apoiar o lado que falta. Porém, a mesa já virou palco, e os bailarinos invasores, com suas piruetas sincronizadas, estão nos envolvendo na dança, fazendo alusão às suas tendências cuspidas para nossa evolução (demagogias!), mas, nos camarins, ensaiam a barbárie. São as piruetas que nos transformarão em rãs! Quando serão derrubadas as paredes desse palco? O mundo precisa é de janelas que nos mostrem outras janelas para uma paisagem melhor. Não podemos perder de vista o horizonte que flutua em nossa frente.